quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Noite

Caminhando sozinho nas madrugadas eu me conheço melhor. Quando estou sozinho posso falar o que quero e dar-me as respostas que convém. As madrugadas para mim têm cheiro, cor e sentimento.
Nos becos encontro bêbados sujos e desgraçados bem mais interessantes que padres e políticos, a loucura revela a inteligência bem mais que um canudo ou uma medalha.
Os olhares das putas parecem sempre ter o que dizer; essas sim devem saber o verdadeiro gosto nojento da vida, elas sim têm muito mais a contar do que nós metidos a escritores.
Descobri também o porque do sol fugir. Durante a noite ele some para que as pessoas percam a vergonha na cara, vergonha de viver, de gozar, vergonha de dizer o que bem entender. A claridade nos prende a uma realidade hipócrita e conservadora, que todos querem distância, sem exceção, esse é o segredo mais intimo das mulheres e homens direitos.
O álcool também é santo com sua libertação, é o verdadeiro tom Divino que abençoa a noite. Bebemos ele também durante o dia, para esquecermos da existência do sol e nos perdermos ali mesmo, na claridade e no ardor dos raios ultravioletas, e nos perdermos no puro e divino desejo.
Os sentimentos se aguçam mais, o beijo se torna mais molhado e o “Eu te amo” é sempre mais sincero. No escuro as pupilas se dilatam, a dilatação é a prova do desespero das almas que sempre procuram algo sincero para se firmarem.
Na noite sou mais eu, mais natural, mais animal, ainda mais sozinho, pois assim me torno bem mais “humano”.

Jordano Souza

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Afonso Misericórdia

Um jovem rapaz , de cabelos castanhos ondulados, aparecera na venda do Seu Arnaldo. Tinha um rosto sombrio, não sorria, não falava muito, apenas o essencial.
De sete em sete dias ele aparecia na venda sobre seu cavalo preto, cavalo este muito bonito, diga-se de passagem, cada qual mais misterioso que o outro. A única coisa que o moço dizia era que queria um caprichado trago de pinga e um torresmo para acompanhar seu gole.
Suas visitas passaram a ser mais frequentes, e os moradores daquela vila passaram a ficar mais curiosos com a presença do jovem, pois ninguém sabia suas origens e muito menos seus interesses naquela região tão isolada.
Alguns diziam ser um criminoso foragido, outros diziam que era um viajante solitário, diziam até que era uma alma penada, que estava vagando para pagar seus pecados. Mas o certo é que estavam todos errados.
Afonso Misericórdia era seu nome, Veloz era o seu cavalo, juntos completavam uma missão no sertão da Bahia, missão que ninguém sabia ao certo qual era. Afonso soltou em certa prosa com Arnaldo que trabalhava para alguém muito grande, e que esse trabalho tomava seu sono,
tomou sua família, seus amigos, seu sossego, sua vida.
Os boatos eram cada vez maiores, mas ninguém ousava perguntar.
Na Vila Funchal havia um cabra metido a ser valente, seu nome era José Colhões, já estava ficando enfurecido com o misterioso homem, pois o moço não despertava apenas curiosidade, também despertava interesse em todas as mulheres que se encantavam com sua magia e com seus longos cabelos castanhos.
Era 03 de outubro de 1957 quando Afonso Misericórdia fizera sua última visita à Vila Funchal, desceu devagar de seu cavalo, amarrou Veloz junto à uma árvore, e pediu seu último trago à Afonso, em 5 segundos já havia acabado com sua cachaça, acendeu um pito de palha e se sentou. Na sua frente em sua mesma mesa se sentou José Colhões e lhe perguntou:
- Quem é você cabra misterioso? Acha que pode chegar em nossa vila e nem se apresentar?
Afonso o olhou desviando o olhar da aba do chapéu e respondeu em um tom bem tranquilo:
- Não sou de seu interesse amigo, venho em uma missão de paz...
Depois dessas palavras Afonso colocou a mão no bolso de traz para tirar alguma coisa, sem pensar duas vezes José Culhões sacou o revólver e deu dois tiros no jovem. Afonso caiu agonizando no chão, segurando com muita força algo entre seus dedos.
José se precipitou e abriu as mãos do morto, tirando dela um colar em formato de coração.
José exibiu o colar para todos que estavam na Venda, enquanto mostrava o objeto se abriu, revelando duas fotos.
Naquele momento o terror foi profundo, gritos de desespero foram ouvidos a léguas de distância, uma foto era de Maria Antonieta, mãe de José Colhões, a outra era de Afonso Misericórdia, seu irmão desaparecido há 15 anos e que ali estava a procura de seus entes.
José foi encontrado morto dois dias depois, com o mesmo colar apertado em suas mãos e com uma bala cravada no peito.

Jordano Souza

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

RECEITA PARA UM BOM HERÓI

Afaste-se,sinta-se capaz de tudo.
Ofusque as estrelas,
Gorgeie melodias de acalanto,
Exagere,se embriague de virtudes.
Condene a moralidade medíocre,
Liberte seu espírito para insanidades experimentais,
Prejulgue o que acha torpe,
Se julgue eterno nas memórias.
Solte piruetas por meio de bandeiras e palavras.
Em nenhum momento perca a razão,
Lembre-se que tu és filho do pecado.
Levanta-te,o que fazes derrotado ainda?
O jogo não acabou,jogo em que somos os bispos,
Mas que não podemos mudar de lado em certos momentos banais.

Entorte o vento,doe sua alma.
Vista-se de um herói,nem que seja por um instante,
Derrote todo seu medo,desafie o impossível,
Desvende os mistérios.
Empurre as tempestades,jamais peça socorro.
Rasgue o que acha normal,
E lembre-se,finja entender o encanto do amor.


Jordano Souza

sábado, 3 de janeiro de 2009

Carta de Solidão

Eu estava sozinho em casa, triste, meio perdido, não sabia com quem conversar, não sabia nem o que falar caso alguém fosse me ver.
Acendi um cigarro, abri um vinho que certo dia ganhei de um amigo e estava esperando uma ocasião especial para tomá-lo, mas o que é ocasião especial?
Liguei o som, peguei um CD que estava guardado na gaveta do meu quarto, não me recordo bem o nome do artista, mas a música se chamava Sentimental. Sentei no sofá surrado marrom e comecei a ouvir.
O primeiro cigarro acabou, acabou também a música que eu coloquei para repetir, acendi outro cigarro, enchi minha taça. Me deliciei com o vinho e com o tabaco.
Não sabia que a solidão pudesse ser tão boa as vezes, mas em exagero ela nos causa um tumor maligno, nos faz pensar que não podemos confiar em ninguém.
De trago em trago eu pensava na vida, nas pessoas que já se foram, nos amores que tive, nos amores que não aproveitei, nos amores que espantei. Pensava como seria minha vida caso ela não tivesse partido. Mas aqui estou eu, setenta e cinco anos e nada a perder, o que poderia perder já perdi.
Não quero morrer nesse apartamento, ele é triste, minha vida não foi sempre triste, já fui jovem, já sorri, fiz pessoas sorrirem.
Do trabalho não tirei dinheiro, mas nele ganhei amigos, a maioria já se foi, no trabalho também conheci minha esposa, mas ela também já se foi.
Minha distração é escrever, no papel eu coloco aquilo que não teria coragem de falar nem para o meu psicanalista.
Fui à praia, andei no calçadão, onde conheci tanta gente, onde passeava na minha infância.
Nasci em Minas, na cidade de São Gotardo, mas ainda menino vim para o Rio de Janeiro com papai, que trabalhava em um banco federal.
Me espantei quando entrei nessa cidade, foi amor a primeira vista, pode parecer piegas mas é verdade. Vi as mulheres tomando sol em Ipanema, vi os homens jogando bola no Recreio, naquele momento decidi que era aqui que iria viver e morrer, só a brisa me bastava.
Sinto que está em minha hora, então resolvi escrever, para mostrar a todos que já fui feliz. Me mostrando eu posso ensinar aos outros como não se deve viver, dêem valor à vida, nas pessoas, nos amores, nos amigos.
Agora vou indo, dessa carta não espero resposta, a resposta de tudo na vida estou tendo nesse exato momento.

Jordano Souza

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Veneno

Hoje fumei um cigarro pensando em ti,e nos tormentos que me causou na noite passada,lembrei dos gritos,das lágrimas,dos maldizeres...Lembrei também da coxa vermelha que entrelaçava nossos corpos,mas a partir de hoje a cama estará vazia,restará apenas lembranças derradeiras de um pretérito perfeito.

Ah como seus gritos me acalmavam!Hoje o amor já está mais fraco,não é como o amor de ontem,ou como o prazer da semana passada.

Ah se o tempo voltasse!Cometeria os mesmos erros absurdos e insanos,coisas de quem ama demais,ou pelo menos coisas de quem já amou demais.

Em pequenos e súbitos tragos arranhando meu peito,vou despedaçando as melancolias desse sentimento errado,olhando para o teto vejo que a luz gira em torno de um círculo confuso,nos traz lembranças de um passado nada distante,nos consola de sonhos inesquecíveis e atrai fantasmas pro nosso presente.
Aos poucos vou morrendo com o veneno que você me deixou.


Jordano Souza